PROJETO DE ARTE-EDUCAÇÃO É REFERENCIA NA LUTA CONTRA EXPLORAÇÃO SEXUAL DE JOVENS E ADOLESCENTES. :Cooperação e Desenvolvimento pela Infância e Juventude

13 de nov. de 2012

PROJETO DE ARTE-EDUCAÇÃO É REFERENCIA NA LUTA CONTRA EXPLORAÇÃO SEXUAL DE JOVENS E ADOLESCENTES.








A casa de assistência Filadélfia CAF, parceira KNH Brasil, trabalha na grande São Paulo questões relacionadas ao abuso e exploração sexual envolvendo jovens e adolescentes. Com o advento da copa das confederações 2013, Copa do Mundo 2014, Olimpíadas 2016 e as grandes obras, nunca foi tão propicio levantar questões tão importantes no enfrentamento dos direitos de crianças e adolescentes.

A CAF hoje conta com 6 projetos de apoio e promoção a jovens e adolescentes. Dentre esses seis projetos, a Knh Brasil, apoia diretamente O Meu Corpo Meu Bem, que é um projeto de arte-educação em sexualidade.

Por meio de artes e jogos o Meu Corpo Meu Bem, trabalha com crianças adolescentes e adultos temas relacionados com sexualidade, relacionamento, autocuidado e prevenção da violência sexual, tendo o cuidado de direcionar as atividades a cada faixa etária.

São 5 bases de trabalho que o projeto utiliza: conhecer, apreciar, cuidar, respeitar e proteger o seu corpo, com o intuito de que jovens desenvolvam a sexualidade de forma segura e com afeto.

A KNH Brasil conversou com Euci Selma Siébra Munhóz, coordenadora Do Meu Corpo Meu Bem, a respeito do enfrentamento do abuso e exploração sexual de jovens e adolescentes.

Por: Hudson Freitas

KNH - Como a CAF acredita principalmente através do Projeto Meu Corpo Meu Bem ser possível combater o turismo sexual de crianças e adolescentes no Brasil?

CAF - É possível, mas não é fácil ou simples. O combate ao turismo sexual de crianças e  adolescentes no Brasil, depende de ações e setores diversos. É preciso considerar que se trata de “crime organizado” e que existem setores responsáveis e competentes para ações específicas. Nosso papel no combate ao turismo, à exploração sexual de crianças e adolescentes, é educar para projeto de vida, informar e orientar a sociedade e as famílias sobre os direitos de crianças e adolescentes, inclusive de como identificar situações de risco e proceder nas denuncias. 

KNH - A CAF já está discutindo possíveis estratégias a serem implementadas contra a violência sexual de crianças e adolescentes durante os períodos dos megaeventos esportivos -Copa das Confederações 2013 e COPA 2014 - ? Se sim, o que já foi possível delinear? Se não, há alguma pretensão neste sentido?

CAF - O projeto Meu Corpo Meu Bem atua nas escolas do entorno da CAF com oficinas de autocuidado para prevenção de abuso sexual infantil  nas Escolas de Educação Infantil e de prevenção de DST/AIDS, Sífilis congênita e violências contra crianças e adolescentes na comunidade e Escolas de Ensino Fundamental do entorno da CAF. - Iniciamos o ano de 2011 promovendo um encontro com os professores e educadores sociais, quando apresentamos a preocupação com as crianças e adolescentes em razão da realização dos eventos em 2013 e 2014, salientando as mudanças na infraestrutura da região - instalação de rede de hotéis - e a construção do estádio onde se dará a abertura da Copa do Mundo - São Paulo – Zona Leste.   Em 2011 também participamos do encontro de filiadas RENAS que possibilitou novos encaminhamentos para a rede de proteção, construção de novas alianças e estruturação da Campanha de Enfrentamento ao Turismo Sexual da Criança e do Adolescente - Projeto Copa 2014;- Retomada de contatos com o BICE  – International Catholic Child Bureau, que firmou parceria com a CAF para a realização do “Café com Reflexão” de 2012 - agora em Dezembro de 2012, para participação de jovens líderes comunitários e líderes de diversos setores do município para tratar do tema;- Firmamos parceria com o Instituto Minidi de Arte, Educação Social para capacitação de 40 professores e educadores sociais que atuam na Zona Leste de São Paulo, na metodologia do projeto Meu Corpo Meu Bem  – abordagem de Arte/Educação dos temas de Saúde e Direitos Humanos;- Em 2012 demos continuidade às ações e eu e outro membro da equipe, a Regina Trabachini, participamos do XIII Curso Multidisciplinar de Atualização no atendimento em situações de abuso sexual do PAVAS – Programa de Atenção à Violência Sexual, Saúde Pública, USP. Como atividade do curso fizemos o trabalho:  “Enfrentamento ao abuso de exploração sexual infanto-juvenil na Região de Ermelino Matarazzo – Zona Leste de São Paulo: Ações do projeto “Meu Corpo Meu Bem” da Casa de Assistência Filadélfia”. Após a realização do diagnóstico situacional, do trabalho, delimitamos nossas ações: 1- Fortalecer a comunidade a partir do trabalho intersetorial, em rede, para o enfrentamento do abuso e exploração sexual infanto-juvenil. 2- Promover o fortalecimento pessoal e o vínculo familiar como uma estratégia para a prevenção do abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes; 3- Estimular a capacitação continuada de profissionais e cuidadores fortalecendo a rede de proteção e da prevenção do abuso e exploração sexual infanto-juvenil. Os eixos temáticos serão:
1) Estatuto da Criança e do Adolescente;
2) Arte/Educação em Saúde;
3) Trabalho em Rede.
Esse plano de enfrentamento foi compartilhado com professores e educadores sociais no encontro “Acampadentro”, realizado no dia 29 de Setembro de 2012;- Realizamos alguns contatos e reuniões com lideranças religiosas e com o apoio dos pastores e de jovens líderes; no dia 10 de Novembro de 2012 estaremos realizando na Igreja Presbiteriana de Cidade A. E. Carvalho, um Café – Fórum Jovem para que os jovens de diversas igrejas possam discutir e propor ações de prevenção no espaço religioso de diversas denominações.



KNH - A seu ver, porque a exploração sexual nem sempre é vista como crime contra a criança e principalmente contra o adolescente?

CAF -  Sou artista plástica, arte-educadora, e minha pesquisa caminha pela cultura, cultura brasileira. A exploração sexual é crime, mas é multifacetada, complexa, e me importa as questões culturais que predispõe situações de risco e até legitimam absurdos, coisas bizarras. No meu entendimento, os valores culturais, dentro de um certo contexto, são mais determinantes para que ocorram a exploração sexual que outros fatores. Os valores que uma pessoa possui é que a levam a ver algo como aceitável/correto ou repugnante/crime. Que tipo de “valor” damos a crianças e adolescentes: de coisa, de produto?

KNH - Você acredita que a omissão tanto do estado como da sociedade é o que contribui para que jovens sofram os males da exploração sexual no Brasil? Se sim, como e onde você vê que isto acontece?

CAF - Creio que já avançamos, estado e sociedade, mas existem ainda grandes desafios. No encontro que tivemos com os professores e educadores sociais a grande questão colocada pelos participantes foi “como denunciar sem sofrer retaliação”. Orientamos como deve ser o procedimento, mas será possível fazer algo a esse respeito e não se envolver a ponto de não sentir o rebote de alguma forma? A denúncia anônima resolve em parte, porque só faz denúncia quem tem esse valor, conhece o processo e por não concordar toma uma atitude. Isso acontece em todos os setores. Posicionar-se tem preço, costuma ser caro, precisa de vontade política para não ser omisso.

KNH - No caso de crianças e adolescentes que sofreram abuso e/ou exploração sexual, é possível reviver “sonhos perdidos”? Que estratégias são necessárias?

CAF - Em primeiro lugar é preciso prevenir casos tanto de abusos como de exploração sexual.  Não é possível mensurarmos o tamanho dos estragos e nem prever quem consegue transpor esse tipo de experiência de forma a recuperar-se totalmente. Quanto aos casos suspeitos, a criança ou adolescente precisam ser ouvidos, depois, o mais rápido possível, precisam receber atendimento médico (exame e medicação preventiva para DST/AIDS caso o profissional entenda necessário) e psicológico. Depois outras providencias, as legais.

KNH - Nota-se um número crescente de casos envolvendo meninos na exploração sexual, sobretudo nas orlas brasileiras, o que podemos atribuir esse aumento crescente envolvendo meninos?

CAF - A minha opinião é que, atualmente, isso é mais visível, mas sempre houve. Existe uma estrutura “organizada” que favorece, mas são muitos os fatores. Tudo começa na família, mas é lógico que as condições sociais e tantas outras dessa família podem também favorecer. É compreensivo que uma criança ou adolescente sem recursos sejam seduzidos por ofertas inescrupulosas. Eles apelam para as necessidades deles, e meninos também têm necessidades.  Eles são vulneráveis, e muitas vezes a própria família também. A mídia muitas vezes não colabora. Ouvi recentemente que lá fora, no exterior (alguns países) se faz propaganda do Brasil como “um lugar onde tudo pode”. A relação é feita com os comportamentos das pessoas em nossas festas populares (Carnaval) e a leitura é de que esses tais comportamentos sejam atribuídos a todos da população indiscriminadamente. Valoriza-se muito mais o que as pessoas possuem do que os que elas são, isso nos programas de TV, os artistas, as pessoas que ficam em evidência. Assim, se o importante é ter, então se justifica fazer qualquer coisa para possuir, ostentar, etc.

KNH - É sabido que esses meninos acabam durante vários dias fazendo programas, com alguns clientes fixos ou ate mesmo mais de um, em casas, apartamentos, ou em fletes, com turistas. É Comum esses meninos utilizarem algum medicamento ou drogas ilícitas para dar conta de tantos dias de atividade?

CAF - Como já mencionei essas atividades não acontecem sozinhas, estão em rede com outras atividades ilegais. A falta de informação sobre as consequências para a saúde seja sobre as práticas sexuais e do uso de entorpecentes, medicamentos, drogas, seja o que for, é um dado importante. Outro é que muitos referem só ter condições de submeter-se a essas práticas sob efeito desses recursos. Esses jovens precisam de outras opções, projeto de vida alternativa.

KNH - Na CAF vocês tem uma metodologia para o autocuidado através da Arte/Educação. Como é esse trabalho? Quais seus objetivos?

CAF - Nosso trabalho tem sido desde o início do projeto o de prevenção primária, “maneira mais econômica, eficaz e abrangente”. Em 2003 quando a CAF assumiu o abrigo de crianças e adolescentes que viviam ou conviviam com HIV/AIDS, na Zona Leste de São Paulo, a direção soube que alguns não tinham o histórico de transmissão vertical do vírus HIV - Denomina-se transmissão vertical do HIV a situação em que a criança é infectada pelo  vírus da AIDS durante a gestação, o parto ou por meio da amamentação - como era de se esperar naquela época, mas haviam sido infectados com o vírus HIV por abuso sexual. A questão era: como lidar com essa situação e tratar com crianças e adolescentes com esse histórico de violência somado ao de soropositividade? A diretora executiva nessa época, Ieda Maria S. Bochio,  organizou um grupo de técnicos, na verdade, uma equipe multidisciplinar para realizar atividades de educação em sexualidade no Abrigo da CAF. Foi nesse momento que fui convidada a participar da equipe. Como artista plástica e arte-educadora colaborei com a formulação da metodologia: Arte/Educação para abordagem dos temas de Saúde, privilegiando a cultura brasileira, jogos e as linguagens artísticas. As atividades de prevenção com crianças e adolescentes são realizadas em seis encontros, baseados em cinco pilares e um último encontro quando é feita uma avaliação e o compromisso, entrega de certificado. Quando não se conhece o próprio corpo, é difícil apreciá-lo; quando não apreciamos não cuidamos; a negligência com o próprio corpo é uma forma de desrespeito e a consequência, geralmente, é expor-se a riscos. Crianças e adolescentes que aprendem esses princípios tem mais probabilidade de protegerem-se de violências e de protegerem outros. As atividades artísticas possibilitam estratégias diversas, leituras expressivas e ações dialógicas, colaborando na educação em sexualidade, prevenção e identificação de casos de violências, abuso sexual infantil. Quando as oficinas são realizadas nas escolas fazemos primeiro um encontro de sensibilização com os pais e cuidadores e com os professores. Isso é fundamental. Além de estender essas informações entre os adultos, eles ficam sabendo que os jovens estão sendo orientados e que mais pessoas estão atentas para identificar possíveis casos de violência contra crianças e adolescentes.


 KNH - Jovens que vivem em comunidades de alta vulnerabilidade social ou em regiões periféricas são as maiores vitimas da exploração e abuso sexual ou o jovem de classe média e classe média alta, também está à mercê de abuso e exploração?

https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=3701759876838088954#editor/target=post;postID=5087083567090855303CAF - O abuso sexual acontece em todas as classes sociais, credos, em toda parte do mundo. Nas comunidades mais vulneráveis essas ocorrências costumam vir a público, já nas classes média e alta costumam ser abafados. Veja, quando uma criança sofre violência dentro de um cômodo da comunidade é mais fácil alguém ouvir, perceber, e denunciar. Já nos grandes apartamentos, palacetes ou condomínios onde as casas ficam distantes umas das outras é muito mais difícil haver o envolvimento de outras pessoas para interferir. Famílias com maior poder aquisitivo, quando algum caso de violência sexual acontece, o sigilo é obtido com presentes, com atendimentos de médico e psicólogo de família, que nem sempre rompem o ciclo.Quanto à exploração sexual parece que é maior entre jovens de menos acesso,  de regiões de periferia. O fenômeno é semelhante. Contudo, não podemos esquecer que os jovens adolescentes são vulneráveis em qualquer classe social pela própria condição de desenvolvimento. Vez ou outra surgem na mídia casos de jovens de classe média e alta envolvidos com drogas, que cometem furtos, assaltam, matam e é sabido que devem se expor em atividades sexuais impróprias para manter o vício, a dependência. O número é bem maior do que é divulgado, e eles acabam tendo o suporte da família se não para dar conta do problema, pelo menos para abafar.

KNH - Estamos falando de violência sexual e possivelmente tendo como uma das causas a fragilidade e/ou rompimento dos vínculos familiares. Como é o trabalho com as famílias neste sentido?

CAF - Como mencionei, iniciamos o trabalho com crianças e adolescentes em situação de abrigamento. O trabalho com as famílias era no sentido de reinseri-los na família de origem ou em uma de adoção. Esse trabalho foi encabeçado pelo coordenador do Abrigo, Rubens Ortiz, e sua equipe. O Abrigo teve suas atividades encerradas em Dezembro de 2010, mas o Rubens continua dando suporte para essas crianças e adolescentes em suas famílias.Na escola, fazemos as oficinas de sensibilização e intermediamos o relacionamento entre a escola e a família, principalmente nos casos de negligência - faltas na escola, trabalho nos faróis, enfermidades, falta de higiene, de violência  física - e quando identificamos casos de abuso sexual. Atuamos com as famílias nos projetos que tem parceria com a Secretaria Municipal Assistência e Desenvolvimento Social, SASF e CCA,  nas oficinas de geração de renda, sob coordenação da Regina A. Trabachini, e nas comunidades religiosas com as quais temos parceria de trabalho. As crianças e os adolescentes do entorno da CAF, ou estão na escola, ou nos projetos ou nas igrejas. Infelizmente não é a maioria, e não temos condição de dar conta de tudo que é preciso fazer. Daí entendemos que é preciso capacitar professores, educadores sociais, líderes das igrejas para identificar casos e como atender as crianças e adolescentes que passam por essas situações de violência

KNH - Gostaria de deixar alguma mensagem para as pessoas no sentido da responsabilidade de todos no enfrentamento das violações em geral dos diretos humanos de crianças e adolescentes?

CAF - Posicionar-se e enfrentar as violações de direitos humanos de crianças e adolescentes é responsabilidade de todos. Não há dúvidas sobre isso, mas também não é segredo de que há resistências em todos os setores. Desde o surgimento da AIDS a quebra de paradigmas retrata o direcionamento adotado nos serviços de atendimento aos portadores do HIV/AIDS. A AIDS foi e ainda é um desafio, mas o enfrentamento da epidemia construiu um conhecimento que pode ser reproduzido para enfrentar a violência contra crianças e adolescentes. É preciso desconstruir o que está estabelecido, sair do conformismo, romper o conceito de que o enfrentamento é tarefa de alguns e partir para ações criativas, Inter setoriais e em rede.

Nenhum comentário: